quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A VIAJANTE E A ESCOLA

 


[Este texto tem a ver com Mercúrio em Sagitário.
Estarei ausente por alguns dias,portanto o Blog  ficará desatualizado; voltarei em breve. Agradeço a companhia de todos!]
"A viajante tem um passaporte que é considerado, a leste, como ocidental e, a oeste, como oriental. 
Inspira, portanto, a desconfi­ança tanto no Ocidente quanto no Oriente. 
A viajante projeta duas sombras, uma sombra masculina à direita, outra feminina, à' esquerda. Ela procura, no fundo de uma floresta cortada de sendas, a célebre escola onde deve prestar seu exame mais importante, depois de uma longa viagem. 
Seu umbigo é como o de um pão fresco, e sua viagem tão longa que come os anos. 
Chegando afinal à orla da floresta, encontra dois homens e pergunta-lhes seu caminho. Eles observam-na, encostados em suas armas, silenciosos, embora já lhe tivessem dito que sabiam onde se encontrava a escola. 
Finalmente, um deles declara: vai sempre em frente, na primeira encruzilhada vira à esquerda, depois à esquerda de novo, e chegarás diante da escola. 
A viajante agradeceu, aliviada, que não tivessem verificado seus documentos. Senão teriam certamente desconfiado dela como de uma estrangeira, e teriam procurado adivinhar suas segundas intenções. 
Retoma, então, seu caminho, vira na primeira senda à esquerda, e de novo à esquerda. Obedecendo às indicações fornecidas, não é nada difícil arranjar-se. Mas, ao final da segunda senda à esquerda, em vez da escola, 
encontra um grande pântano. 
À beira do lago estão os dois homens armados. Sorridentes, pedem-lhe desculpas:

- Demos a direção errada. 
No primeiro cruzamento era preciso que fosses para a direita, e depois de novo para a direita, e lá se encontra a escola. 
Mas devíamos primeiramente verificar tuas intenções, saber se não conhecias de fato o caminho, ou se fingias não conhecê-lo. 
Agora, ficou tarde, e não chegarás hoje à escola. 
O que significa: nunca mais, pois, a partir de amanhã, a escola não existirá mais. P
ortanto, perdeste o objerivo de toda tua vida, por causa dessa pequena verificação, mas tu compreendes que ela era indispensável, para proteger os outros das más intenções dos viajantes que procuram a escola. 

Todavia não é preciso que te culpes. 
Se houvesses virado para a direção oposta à que te indicamos, ou seja, se tivesses ido para a direita, em vez de ir para a esquerda, o resultado teria sido o mesmo, pois teríamos sabido então que querias enganar-nos, que conhecias o caminho para a escola, e teríamos sido obrigados a impedir-te de chegar lá, pois tuas intenções tornar-se-iam claramente duvidosas, já que estavas tentando escondê-las de nós. 

Portanto, nunca poderias chegar à escola, fosse qual fosse o caminho. Entretanto, tua vida não terá sido sacrificada em vão: ela serviu para verificar uma coisa neste mundo. 

E isto não é pouca coisa...

Assim falavam os homens, e a viajante tinha um único consolo 
-não ter mostrado seu passaporte, de cuja cor os homens perto do lago não podiam nem mesmo suspeitar.  

Contudo, com isso ela os havia enganado, subtraindo-o da verificação deles, o que significava que a vida dela tinha sido realmente sacrificada em vão. Mas essas duas palavras - em Vão - tinham significados diferentes para eles e para ela. 
O que lhe importava suas verificações, afinal! De qualquer maneira, o resultado era o mesmo, e o objetivo de sua existência, que não está mais diante dela, deve inevitavelmente deslocar-se no curso do tempo. 

Então ela começa a compreender que o objetivo não era a escola em si, mas estava em alguma parte do caminho para a escola, por mais que a busca parecesse inútil. No seu espírito, esta busca tornou-se, de repente, cada vez mais bela, e, depois de tudo, muitas das belezas da viagem tornaram-se visíveis a seus olhos e ela concluiu que o fato decisivo aconteceu não no final da rota, mas

muito antes, durante o próprio trajeto, e ela jamais teria pensado nisso se a viagem não tivesse se revelado inútil. Ao reordenar suas lembranças, como um comerciante que refaz o inventário do seu património, ela começa a reencontrar os detalhes, só levemente inscritos na sua memória. 

Desses detalhes, ela vai anotando os mais importantes, fazendo uma triagem cada vez mais fina, até chegar, através de uma redução impiedosa e uma seleção cada vez mais severa,- a só reter uma única cena em sua memória:

Uma mesa, e sobre ela um copo de vinho colorido por um outro vinho. A carne de uma galinhola recém-abatida, assada sobre o esterco de camelo e tornada nutritiva pelo sonho noturno da ave caçada. Um pão quente com o perfil sombrio de teu pai e o umbigo de tua mãe. E os queijos de uma jovem e velha ovelha nascida na ilha. Ao lado da refeição, sobre a mesa, uma vela com uma lágrima de fogo em sua ponta; perto, o Livro Santo, através do qual corre o mês de djemaz-ul-aker."

O LIVRO VERDE



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