Medo e violência fazem Rio de Janeiro parar
Quinze funcionários de um supermercado em Ipanema, zona Sul do Rio de Janeiro, não sabiam como vão retornar para casa. O estabelecimento fechou às 23h e eles se reuniram em frente aos caixas para discutir. É fato, poucas linhas de ônibus não pararam de circular após as 22h. A cidade estava vazia e quieta.Na manhã desta quinta-feira, os cariocas nem tiveram tempo de ler os jornais que divulgavam a audácia dos criminosos que intensificaram os ataques mesmo diante das ações de repressão da polícia no dia anterior. Rádios não paravam de divulgar novos incidentes de carros e ônibus sendo incendiados em diversos pontos da cidade. Notícias se embrulhavam com boatos e aumentavam como bola de neve através de redes sociais na internet, de mensagens de celular e de ligações telefônicas até atingir em cheio a população.
Tarimbados pelas ondas de violência, que não são novidade no Rio, os cidadãos pareciam antecipar um dia sangrento. Ficaram em suas casas, dando clima de feriado a uma manhã de quinta-feira. O taxista Nicodemus Luís de Oliveira, 51 anos, pôde comprovar no bolso a tensão que assolava a cidade: "normalmente a essa hora (eram 10h15) eu já tenho mais de R$ 200 em corridas. Hoje não fiz nem R$ 50". Nicodemus falou com a experiência de quem está há 30 anos dirigindo táxis no Rio de Janeiro. Já passou por crises, sim. Mas atentados contra veículos de civis é algo que o atinge diretamente. "Esse é meu patrimônio. Meu ganha pão. Tenho muito medo, mas não tenho opção", dizia enquanto percorria vias de trânsito livre no outrora trancado tráfego do Centro.
Se incêndios e boatos não fossem o bastante, os cariocas acompanhavam temerosos a formação de um aparato de guerra que se preparava para invadir uma das favelas mais bem armadas do Rio de Janeiro. O Bope se concentrava no quartel dos fuzileiros navais da Marinha e de lá sairiam com um esquadrão de veículos blindados, que mais pareciam tanques de guerra, em direção ao Complexo da Penha.
Um dos principais redutos da maior facção criminosa do Rio, a Penha é formada por um conjunto de favelas apinhadas por traficantes armados de fuzis, granadas e sabia-se lá mais o quê. Por volta das 11h, um grupo se aproximou de uma unidade das casas Bahia, na região da Cruzeiro, apontou seus fuzis para os funcionários da loja e ordenaram que subissem a favela com os seus três caminhões de carga. Eles seriam usados para uma barricada no morro. Os traficantes estavam dispostos a resistir.
No que parecia um desfile de guerra, a polícia cruzou as vias expressas da cidade com caveirões e blindados, tudo transmitido ao vivo pela TV. Às 12h30, homens fardados de preto e com o símbolo de uma caveira no braço esquerdo entraram nos veículos de guerra e eram entregados dentro da favela como se fossem presentes de Tróia. Os blindados eram recebidos a tiros. Quando se encontravam em um lugar estratégico, soltavam sua carga de homens que iam abrindo espaço. Tiros ecoavam em todo complexo da Penha. Volta e meia ouvia-se fortes estrondos.
Sem cessar, o efetivo da polícia foi aumentando. Homens da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil, se somaram aos homens do Bope e mais tanques foram utilizados. Durante cinco horas, houve intensa troca de tiros. Helicópteros da polícia davam rasantes. Helicópteros da TV, faziam flagrantes. Grupos de criminosos tentavam refúgio em um mato. O confronto era intenso.
No final da tarde, os homens do Core desceram a Vila Cruzeiro anunciando vitória. "A Cruzeiro hoje pertence novamente ao Estado", dizia o subcomandante do Core, Rodrigo Oliveira. O Bope ficou no local para passar a noite e, de lá, segundo garante o Comandante-Geral da Polícia Militar, coronel Mário Sérgio Britto Duarte, não sai.
Os policiais que desciam o morro descreviam "rastros de sangue". A polícia não contabilizou as baixas da ação. Certamente tiveram. Expeculava-se 30. Mas pela intensidade dos combates é provável que haja até mais. Sem ter o total conhecimento da área e ainda enfrentando focos de resistência, a polícia não parou para contabilizar. "Vi muitas crianças, de 14, 15 anos, carregando fuzil", disse um dos policiais que, por ordem do comando, não pode se identificar.
Tudo isso não fez diminuir a onda de atentados. No início da noite, pelo menos dois veículos já haviam sido incendiados. O saldo da batalha será conhecido apenas na manhã seguinte, mas pode ser que ninguém preste atenção nelas, pois é mais provável que a guerra continue.
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